Cecílio Elias Neto é um ícone do jornalismo de Piracicaba, cidade do interior do Estado de São Paulo. Diariamente, ele brinda os leitores do Jornal de Piracicaba, o maior da cidade, com sua coluna "Bom Dia". Nela, o jornalista aborda os assuntos importantes da cidade. Na edição da última quarta-feira (27/10), Cecílio escreveu um texto intitulado "Os Estatutos do Homem, art. 5", que provocou um pedido de resposta e de censura prévia aos seus artigos, por parte da coligação que apóia o candidato à Prefeitura de Piracicaba, Barjas Negri (PSDB). O juiz eleitoral Joel Valente, da 93ª Zona Eleitoral, determinou a publicação de um pedido de resposta e que Cecílio Elias Neto não aborde política, na coluna, até o dia das eleições.
Segundo o juiz não houve censura. Ele alegou que os comentários do colunista poderiam provocar danos irreparáveis. A deliciosa coluna diária de Cecílio tem alto índice de leitura e até o próximo domingo, seus leitores estarão privados da opinião política do jornalista - graças à nossa legislação eleitoral. Quem conhece e lê Cecílio Elias Neto, sabe que seus textos diários continuarão imperdíveis até e, principalmente, após as eleições. Não será surpresa, se até as eleições, ele escreva sobre deliciosas receitas de bolos.
Silêncio e mutismo
"Pela primeira vez em 48 anos de jornalismo, estou cerceado de escrever. É o que a Justiça Eleitoral entendeu, acolhendo pedidos que pretenderam até a censura prévia de meus artigos. Nesta coluna, não posso ter "manifestação política favorável ou contrária a candidato, partido ou coligação, até o final do pleito". Não irei recorrer. Aceito a decisão como prêmio. Pois não silenciei. Precisei ser silenciado", escreveu Cecílio Elias Neto, em sua coluna na edição de hoje.
A coluna do jornalista Cecílio Elias Neto pode ser lida na internet , no endereço www.jpjornal.com.br .
Veja abaixo o texto que provocou o pedido da coligação que apóia o candidato do PSDB, que foi ex-ministro da Saúde no governo Fernando Henrique Cardoso, após a saída de José Serra da pasta:
Os Estatutos do Homem, art. 5
O candidato Barjas Negri fala em "restabelecer a verdade". Alguém precisa acautelá-lo. Mas o tema é bom. Pois me lembra de um notável amigo que encantou o mundo com um poema também notável: Thiago de Mello e "Os Estatutos do Homem". No artigo 5, Thiago diz: "Fica decretado que os homens /estão livres do jugo da mentira./Nunca mais será preciso usar/ a couraça do silêncio/ nem a armadura de palavras./ O homem se sentará à mesa/ com seu olhar limpo/porque a verdade passará a ser servida/ antes da sobremesa."
O candidato Barjas Negri confirma que –– "mais do que muita gente" –– eu conheço sua ação em questões democráticas. É verdade. Mas é por isso que não voto nele. Não se trata de gostar ou não, mas de saber. Admiro o pesquisador respeitável que ele foi, tendo-lhe dado crédito –– em livros de minha autoria –– por alguns de seus trabalhos. Não posso dizer o mesmo, no entanto, quanto a seus métodos de ação política. E à sua própria trajetória de sucesso. Apenas competência não basta. Paulo Maluf, Quércia, Collor, entre outros, são competentes.
Barjas Negri diz ter dúvidas quanto ao fato de, como jornalista, eu declarar meu voto: se isso não limitaria "a independência desejada e esperada do jornal". Barjas parece confundir independência com neutralidade, esse sonho de políticos que não querem ser incomodados. Ora, apenas tem opinião quem é independente. Pessoas e instituições independentes é que se não sujeitam a pressões, a manipulações, a negociações de bastidores. Os dependentes não opinam ou o fazem por encomenda. Ou Barjas Negri duvida da independência do "New York Times" por declarar seu apoio ao candidato John Kerry? Mas se isso o incomoda, assossegue-se: afastei-me do Conselho Editorial do JP, assento que muito me honrou. Para evitar comentários tolos ou de má-fé, pareceu-nos melhor assim. O JP –– mantendo uma tradição centenária –– garante-me a liberdade de opinar na coluna que assino e pela qual sou o único responsável. Isso me basta.
Que Barjas Negri "restabeleça a verdade" à sua maneira e até diga ignorar o inquérito a que me referi. Reforço-lhe a memória: é o inquérito 65/97, que apura denúncias de "falsificação de documentos e peculato" nas administrações do PSDB. Já está na 1 ª Vara Criminal. E se Barjas Negri não sabe do que se trata, basta ler as páginas 1.106, frente e verso. Nelas, uma funcionária informa que "por orientação de Barjas Negri que se fez presente em Piracicaba, com o dinheiro foram comprados inúmeros eletrodomésticos, que foram distribuídos em favelas e bairros carentes". O todo das denúncias divulguei-o no jornal "A Província", nos meses de outubro a dezembro de 1998. E constam, elas, também, dos arquivos da comissão de inquérito da Câmara.
Leviandade?
Em 26 de fevereiro de 2002 –– quando áulicos queriam festejar o então ministro da Saúde Barjas Negri –– fiz minha parte e sugeri, no jornal "A Tribuna", que se fosse mais devagar com o andor. E concluí: "porque, na festança político-eleitoral, poderá haver quem se esqueça de que o santo é de barro". Era. É.
Barjas Negri tem razão ao dizer que eu sei "mais do que muita gente". Sim, eu sei. E sei mais ainda. O que me estranha é que, mesmo assim, ele teime em posar de vestal intocável. Não é. Mas eu sei. Gostem ou não gostem, o meu dever como jornalista –– e missão! –– é informar. E vigiar. O povo não erra. Mas é enganado. Raposas, especialmente as políticas, são astutas. Mas que "a verdade seja servida antes da sobremesa". Bom dia.
Cecílio Elias Neto
Após a publicação do texto acima, a coligação que apóia o candidato Barjas Negri recorreu e encaminhou o seguinte direito de resposta:
Resposta
O que é isso, Cecílio?
Barjas Negri
Exerço o meu direito de resposta ao artigo do jornalista Cecílio Elias Neto, de 27/10/2004, denominado "Os Estatutos do Homem, art. 5". Eu diria que, quem conhece a vida do jornalista, tem a certeza de que as palavras de Thiago de Mello aplicam-se a ele e não a mim. Cecílio cria as suas próprias verdades, omitindo ou distorcendo fatos. Não se discute as suas habilidades de escritor, mas o conteúdo de suas dissertações.
O articulista voltou a me brindar com acusações, no mínimo distorcidas, citando uma funcionária da prefeitura que, acusada de desvio de recursos da prefeitura e depósitos de dinheiro em sua conta, declara em sua defesa, talvez assessorada por alguém, que eu teria orientado a compra e distribuição de eletrodomésticos para favorecer a eleição de Humberto de Campos em 1996. Aliás, eletrodomésticos que ninguém nunca viu e ninguém nunca disse que recebeu. Haja dinheiro e imaginação! Isto aqui é Piracicaba e não quintal de nenhum coronel.
Na época, eu era secretário executivo do Ministério da Educação, em Brasília. O que eu fiz, naquela campanha, foi realizar mutirões nos finais de semana, em conjunto com a militância do PSDB. O depoimento em questão é de uma ré confessa, tanto na Polícia como na CPI. Trata-se da pessoa em cujas contas bancárias, dela e de amigos, foram localizados a quase totalidade dos cheques desviados da prefeitura. Também foi a funcionária que descontava ou mandava descontar, no caixa do banco Banespa, cheques desviados da prefeitura e de empresas, conforme comprova rastreamento feito pelo próprio Banespa, a pedido do prefeito Humberto.
Em sua defesa, a funcionária declarou que desviou o dinheiro para custear a campanha de Humberto. Absurdo! Quem determinou a apuração dos fatos foi o próprio Humberto, cuja idoneidade Cecílio elogiou em artigo recente. Não bastasse isso, os desvios, conforme comprovado pela CPI e pela Polícia, começaram antes do PSDB ser governo (1993). O Banespa apresentou documentos de desvios a partir de 1991, ainda no primeiro governo Machado, pois os documentos anteriores já haviam sido incinerados pelo banco. Mas isto também não incrimina o governo do PT, pois os desvios poderiam ter sido iniciados em algum período anterior.
E mesmo depois da CPI, entre o final do governo Humberto e o início do governo Machado, quando essa mesma funcionária estava disponibilizada para um estabelecimento de ensino da cidade, ressurgiram suas ações de desvio, conforme ata da Associação de Pais e Mestres da instituição. Segundo essa ata, a funcionária adulterava os documentos de pagamento dos alunos à Associação, ficando com a diferença do dinheiro. Após pagar parte do desvio, foi devolvida à Prefeitura.
Essa é a verdade dos fatos.O PSDB lutou, isto sim, para moralizar o serviço público. Nenhum dinheiro ou cheques desviados foram localizados em conta dos prefeitos e ocupantes de cargos de confiança do partido. Agora, no governo do PT, mais uma CPI foi aberta, a partir de informações de uma funcionária pública municipal e militante do PSDB. Também neste caso constatou-se que os desvios, embora continuassem ocorrendo no segundo governo do Machado, são de longa data e, novamente, anteriores aos governos do PT e do PSDB. As provas estão no relatório da CPI e são públicas. São fatos semelhantes e nem por isso posso afirmar, ou qualquer um pode, que o governo petista foi ou é desonesto.
Portanto, querer induzir culpa a mim e ao PSDB com base em depoimento dessa funcionária é temerário. Não há credibilidade suficiente para que qualquer jornalista isento assuma tal denúncia e a use para ofender, acusar alguém. Não sou vestal intocável como ele diz. Somos oito irmãos. Tive um pai trabalhador e honesto, mas que tinha seus problemas de dependência alcoólica. Fomos criados por uma mãe que deu tudo de si para nos educar e nos passar os valores de idoneidade e de honestidade. Cecílio vem de uma família mais estruturada, porém, para nos dar lição de honestidade e idoneidade, vai ter que aprender muito. Se eu for eleito prefeito, espero que ele continue vigilante no JP para mostrar-lhe, com atos e ações, quem de fato sou e a minha capacidade de trabalho em favor da cidade. Bom Dia!
Barjas Negri (PSDB) é candidato a prefeito pela coligação Piracicaba Merece Mais!
Nota da Redação – Texto publicado em atendimento a direito de resposta ao artigo veiculado ontem neste espaço