*Bruno Jackson
Você por acaso já ouviu falar em Lucas Vezzaro? Não se incomode, você não é o único. Ele é um garoto que sem dúvidas pode ser considerado um herói de verdade. Afinal, não é todo dia que um adolescente de 14 anos morre após salvar três vidas. Pouca gente ouviu falar nesse nome porque a mídia praticamente ignorou o acontecimento.
No dia 23 de setembro deste ano, o Jornal Nacional, da TV Globo, veiculou a matéria de um ônibus escolar que caiu numa represa com quase oito metros de profundidade na cidade de Erechim (RS), no dia 22 de setembro. O ônibus transportava 30 crianças e adolescentes, dentre eles o corajoso Lucas Vezzaro, da zona rural para escolas na cidade. Foi no mínimo insensibilidade do telejornal supracitado ceder espaço de apenas uns três ou quatro minutos a esse acontecimento, pois foi um fato raro e de valor inestimável.
Talvez pudesse ser destaque nos principais veículos de comunicação do Brasil. Assim que o escolar caiu na represa, Lucas e outras crianças começaram a saltar pelas janelas. Como era ás na natação, o jovem herói não mediu esforços para salvar, uma de cada vez, sua prima Daiane Vezzaro e as amigas Márcia Bai e Angélica Mokfa. Mas quando voltava para salvar mais uma vida, outras crianças, por desespero, começaram a puxar Lucas para baixo, o garoto não teve forças para voltar à margem da represa e morreu afogado.
A única coisa além do comum que o Jornal Nacional disse desse acontecimento, é que o garoto se tornou um herói em sua cidade (Erechim), apenas isso, no momento em que eram mostradas as imagens dos familiares de Lucas chorando em seu velório. O que a mídia considera como valores? Então um adolescente salva três vidas, depois morre e a TV praticamente fica cega a esse fato impressionante?
Ao tentar entender o por quê dessa postura, me vem à memória os "famosos" critérios de noticiabilidade prescritos pela teoria funcionalista através da Agenda Setting, que adota os seguintes parâmetros para a seleção de notícias: 1º) nível impactante, 2º) ordem do dia e 3º) hierarquia da notícia (realidade social, por exemplo). Indo ao encontro das proposições da Agenda Setting, talvez o Jornal Nacional não considerou que o ato heróico de Lucas Vezzaro pudesse ser impactante, ou que não obedecia à ordem do dia.
Há também de se considerar que muitas vezes um acontecimento distante do eixo Rio-São Paulo, pode não fazer parte da hierarquia de notícias das grandes empresas jornalísticas do Brasil. Porém, nem mesmo o jornal on-line A notícia (da UOL), que é da região sul do país, deu um destaque à bravura de Lucas Vezzaro. E ainda pior que o Jornal Nacional, pois sequer citou o heroísmo do jovem. A matéria ocupava um espaço irrisório na página eletrônica do jornal. É ainda mais decepcionante. Afinal de contas, A notícia não se lembrou nem mesmo dos três principais mandamentos da Agenda Setting, mesmo estando "a um palmo do nariz" de um verdadeiro herói.
Em se tratando de veículo de comunicação com grande representatividade no Brasil, consegui achar apenas na revista Veja alguma menção acerca da bravura de Lucas. Na página 44 da edição do dia 29/09, a revista traz o título: "O pequeno grande herói". Mesmo assim, não foi tão relevante. A matéria tinha o espaço de apenas uma página e o seu desfecho foi o de uma matéria comum.
Ironia
No mesmo dia 23 de setembro, o Jornal Nacional teve, dentre outras, matérias destaques como as eleições presidenciais nos Estados Unidos e o namorico entre Ronaldo e Daniela Cicarelli. Que ironia! Justo ao completar 35 anos no ar, o telejornal mais prestigiado pelos telespectadores brasileiros comete esse pecado. Dar um espaço insignificante a uma atitude de valor inigualável. Ora, não é todo dia que alguém (ainda mais um menino) arrisca a própria vida para salvar outras.
O Jornal Nacional chegou a lançar até livro com as principais reportagens dos seus 35 anos, mas omite, logo depois, a coragem de um jovem brasileiro. Acho que está na hora de sabermos valorizar os nossos verdadeiros heróis. E a mídia podia dar uma mãozinha nesse sentido. Pois, além de informar, um de seus principais papéis é ser formadora de opinião.
Eu não queria que a televisão, os jornais ou as revistas superestimassem ou elevassem em excesso a figura de Lucas Vezzaro, de forma alguma. O meu desejo era, na verdade, ver pelo menos uma matéria que se dedicasse a explorar o lado valoroso da atitude deste jovem gaúcho. Às vezes, a sociedade precisa ver e refletir sobre as coisas mais essenciais da vida. Portanto, se você não ouviu nada a respeito de um certo herói, não se preocupe. Isso não quer dizer que você é mal informado.
*Bruno Jackson é estudante de Jornalismo