"O Jornalista" encaminhou mensagem ao deputado federal Valdemar Costa Neto (PL/SP) versando sobre o Projeto de Lei nº 678/2003, que exclui os jornalistas da extensa lista de categorias com direito à prisão especial.
Veja abaixo a íntegra da mensagem encaminhada ao autor do projeto:
Nobre deputado Valdemar Costa Neto
Nós do www.ojornalista.com.br estamos realizamos uma enquete com os nossos visitantes perguntando: "Na sua opinião, a proposta de acabar com a prisão especial para jornalistas é uma ameaça à liberdade de imprensa?". Mais de 80% dos votantes já disseram que sim.
Nossa enquete é um mero levantamento de opiniões, sem controle de amostra, sem metodologia científica feita com a participação espontânea do interessado. Contudo, indica que o projeto de lei 678/2003, de vossa autoria que retira os jornalistas da lista das categorias com direito à prisão especial, não encontra apoio entre os visitantes do nosso website, que é exclusivamente voltado para os jornalistas, estudantes e professores de Jornalismo.
O projeto que já passou por comissões não foi amplamente discutido com a nossa categoria. Apesar de defendermos direitos iguais para todos, acreditamos que apenas excluir a categoria dos jornalistas da lista dos "privilegiados", não resolve o problema. Podendo inclusive causar outros, como uma ameaça à liberdade de imprensa e ao exercício profissional.
Como a sua proposta mantém a figura da prisão especial para outras inúmeras categorias, entre elas: os ministros de Estado; governadores ou interventores de Estados, do Distrito Federal e de Territórios, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de polícia; membros do Congresso Nacional e das Assembléias Legislativas; dos magistrados; membros do Ministério Público; aos cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para exercício daquela função; aos oficiais das Forças Armadas e do Corpo de Bombeiros; aos delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ativos e inativos; aos servidores do Departamento de Segurança Pública, entre outros, entendemos que a proposta não acaba com a figura do privilégio, mas apenas expõe os jornalista às arbitrariedades de maus políticos e policiais, que infelizmente em nosso País não são em número desprezível.
O assunto é polêmico e deve ser debatido pelos jornalistas brasileiros e nossas entidades de classe. Entendemos que tratar a prisão especial, para os jornalistas, apenas como um privilégio é reduzir o debate e não analisar a questão por todos os seus ângulos.
Prisão especial é destinada apenas para quem não foi condenado. Portanto, um jornalista que está "importunando" poderá muito bem ser vítima de uma prisão arbitrária, um flagrante forjado, uma acusação infundada e até que prove sua inocência, ou consiga sua soltura, estará na cela com criminosos, que podem inclusive ter sido alvo de alguma reportagem. Como ficará a integridade do colega "suspeito"?
Somos contra o seu projeto! Afinal, os "crimes" que os jornalistas brasileiros mais cometem é importunar toda ordem de marginais, inclusive maus políticos e maus policiais. Talvez por isto, os jornalistas mereçam ser presos para averiguação e jogados em celas comuns com marginais, até que provem sua inocência ou obtenham sua soltura?
Nossa sociedade está cansada de privilégios. Que tal acabarmos de vez com a figura da prisão especial? Se é para acabar com privilégios, que se acabe para todos - inclusive para toda ordem de políticos -, principalmente para os que se locupletarem com o dinheiro público. Isto sim uma vergonha, que não dá para ser chamada de privilégio e tem outro nome!
Estamos à sua inteira disposição para publicar seus argumentos a favor da sua proposta. Aguardamos um pronunciamento do nobre parlamentar. Temos certeza, que vossa intenção não é de atacar a liberdade de imprensa no País. Apelamos ao parlamentar do PL para que aceite nossas ponderações sobre os reflexos que tal proposta pode acarretar para os profissionais de imprensa, que muitas vezes, por questão de ofício, são obrigados a contrariar poderosos e nem sempre contam com a cobertura jurídica devida, principalmente fora dos grandes centros.
Queremos deixar claro que somos contra a aprovação do projeto, principalmente, devido à ausência do debate. Abaixo segue parte de matéria publicada em nosso website, que apresenta apenas um exemplo do que acontece mesmo com a vigência da figura da prisão especial para os jornalistas. Ficamos imaginando o que teremos que enfrentar, caso o seu projeto seja transformado em lei.
Por um triz, o texto abaixo não trata do assassinato de um jornalista por presos comuns. Nobre deputado, apelamos pela retirada de sua propositura. Não queremos ver colegas assassinados, apenas porque foram arbitrariamente presos por maus policiais ou a mando de poderosos de plantão.
Juíza manda Estado indenizar jornalista
A juíza substituta da 3ª Vara Cível, Thina Luiza D"Almeida G. S. Sousa, condenou o Estado do Amapá, no dia 08/09/2004, a indenizar o jornalista Flávio Henrique de Barros por danos morais. A indenização hoje estaria próxima aos R$ 33 mil, segundo informou o escritório de advocacia Roberto Morais Advogados Associados, que defende o jornalista.
No dia 10 de agosto de 1997, às 2h da madrugada, no hotel em que residia, em Macapá/AP, Flávio foi preso e acusado de "furto de imagem", no Jornal do Dia, e de "ameaça" pelo delegado Miguel Benedito Ferreira Dias; após queixa da diretora do jornal, Lúcia Thereza Gammachi, sendo depois preso em cela comum no presídio estadual.
Trabalho
Flávio tinha fotografado as máquinas da gráfica do Jornal do Dia, às 23h00, do dia anterior (09/08). Ele desenvolvia um projeto junto ao Coam (Conselho das Associações de Moradores de Bairros), com o objetivo de implantar uma gráfica comunitária no Estado através de doações de organizações não governamentais internacionais.
Um dia de Cão
A namorada do jornalista parou o carro em frente ao Jornal do Dia. Flávio desceu com a sua máquina fotográfica nas mãos, conversou com o vigia que abriu o portão, conversou com funcionários do jornal no pátio, explicou sua intenção, entrou na gráfica e tirou fotografias do maquinário e do empregado que fez pose ao lado equipamento gráfico.
Saiu e conversou novamente com os empregados que estavam no pátio. Entrou no carro e foi deixado no Hotel Emerik, onde morava. Às 2h00 da madrugada foi acordado por um empregado dizendo que a polícia o estava procurando. Desceu as escadas e viu alguém pulando as grades do portão de entrada do hotel. Na calçada: Lúcia Thereza, três funcionários do jornal e dois policiais. O terceiro policial já estava dentro do hotel. Entendeu de imediato do que se tratava. Procurando evitar a confusão e o barulho que já começara, propôs a Lúcia entregar a máquina fotográfica com o filme. Depois de revelado ela devolveria a máquina e o filme, se possível.
Flávio retornou ao quarto e ficou surpreso ao ver policiais entrando sem a sua permissão e mandando ele pegar a máquina sem mexer nela e acompanhá-los. Naquela situação, quando deu por si estava na calçada, cercado pelos policiais, que ameaçadoramente questionavam se não entraria no carro deles. O jornalista entrou avisando que estava sob coação policial.
Na delegacia foi tratado como marginal, mandado ficar quieto num canto. Sem familiares no Estado do Amapá, viu a poderosa empresária de comunicação entrar no gabinete do delegado e ficar conversando com ele. Chamado para o gabinete do delegado tentou explicar a ele e a empresária que o seu ato foi, somente, de fotografar sem outra intenção.
A cada explicação dada, a cada resposta que os dois faziam, recebia sorrisos de deboches. Quando a Lúcia falava, havia credibilidade e seriedade. Nessa situação, Flávio resolveu nada mais declarar. Enviado para a recepção da delegacia, junto com funcionários do Jornal do Dia, ficou ouvindo gritos e agressividades de uma agente de polícia. Estava sendo tratado como um marginal: "Fique em pé junto à parede. Encoste-se na parede. O que vocês está me olhando?". Provocava a policial, tentando se exibir para Lúcia, que chegava.
Numa tentativa de resolver o problema, Flávio chamou o delegado tentando falar com ele em particular, sem àquela pressão toda. Mas a agente policial, na frente de todos, proibiu ao delegado escutar o que o jornalista queria. Um policial assistia à cena calado, se aproximou do Flávio e escutou a sua história. Reprovou a atitude da policial, mas nada podia fazer: estava submetido à autoridade do delegado.
Num último gesto, o jornalista avisou ao delegado que ia sair dali. Já eram 5h da manhã e não havia motivos para a sua detenção naquela delegacia. Foi então que o delegado respondeu: "Você não está detido. Você está preso! Estou te encaminhando para a penitenciária do Estado". Lúcia estava saindo sorrindo da delegacia.
Até aquele momento Flávio, sozinho no Estado, com medo do desenrolar dos fatos, procurava administra as suas ações para não ser vítima de violência policial, que conhecia bem ao longo dos seus 23 anos de repórter. Olhou nos olhos do delegado e perguntou: "Estou preso por qual motivo?". O delegado respondeu: "Você entrou na gráfica sem autorização dos donos e tirou fotografia sem permissão. Por tanto, você furtou imagem!".
Impressionado com a lógica jurídica subserviente do delegado, Flávio avisou: "Se você fizer isso eu vou processá-lo". De pronto o delegado concluiu: "Furto de imagem e ameaça!", enquadrando-o de vez, ignorando os direitos legais do jornalista. Ás 7h o delegado ordena que o jornalista seja encaminhado ao Instituto Médico Legal. Algemado pelos pulsos a um marginal conhecido como "Cemitério", o jornalista vai para o Instituto.
De volta à delegacia, é encaminhado para o xadrez. Pondera com o policial que é jornalista e não poderia ser colocado em cela comum. Recebe logo a resposta em tom severo e ameaçador: "Entre logo!". Mais tarde Flavio recebe visitas de colegas do Jornal Do Dia: Janderson Cantanhedo entrevistando e Seles Nafes levando uma coxinha de galinha e suco para o prisioneiro.
Às 9h o jornalista é encaminhado para a penitenciária algemado ao "Cemitério", num carro da polícia. Chegando lá, o jornalista se identifica profissionalmente e pede para falar com o diretor do presídio, a quem conhece por matérias feitas lá. A resposta vem como se estivesse encomendada: "Se você é jornalista, cadê o seu diploma?", perguntou um agente penitenciário, completando: "Aqui já chegou gente dizendo que era economista e, quando a gente foi ver, não era verdade". Flávio protestou informando que não andava com diploma debaixo do braço e que o delegado havia ficado com a sua identidade profissional. Diante disso o agente respondeu que o jornalista não veria o diretor, ordenando ao um colega seu colocar o jornalista na cela de "adaptação", que fica na ala de segurança máxima.
Na cela de "adaptação" haviam uns 10 presos condenados. Logo um deles, que estava sentado se balançando numa rede e preparando um cigarro de maconha perguntou: "Você é jornalista, não é?". E afirmou: "Foi você que colocou a minha foto no jornal". Percebendo a situação de seja bem-vindo, Flávio perguntou ao preso: "Quando foi isso, meu irmão?". E o sujeito respondeu: "Foi há uns quatro anos". Flávio então disse: "Estou aqui no Amapá há um ano, não pode ter sido eu". Quando se surpreendeu com a resposta do preso, saída com uma voz mansa, ardilosa: "Não, foi você mesmo". Estava claro que entre eles o futuro do jornalista já estava tramado.
Na hora do almoço o jornalista não queria comer. Não tinha fome. Estava com muito medo. Às 13h um guarda chama o jornalista, avisando-o de que o diretor queria falar com ele. Na sala do diretor estavam a namorada e um outro jornalista. Haviam convencido o diretor Gonzaga que um jornalista estava na sua prisão. Até àquele momento o diretor de nada sabia. Depois de reconhecer e cumprimentar o jornalista, surpreso e assustado com o constrangimento, o diretor tenta se desculpar, alegando o seu desconhecimento. Toca o telefone e o diretor atende. Após breve conversa, Gonzaga desliga e informa que o juiz quer ver o prisioneiro no Fórum.
Algemado, o jornalista é levado à prisão do Fórum, local onde transita por força da sua profissão, ficando numa cela com outro prisioneiro, aparece um advogado dizendo estar ali para resolver o seu caso. O jornalista começa a falar e é interrompido pelo advogado com o seguinte recado: "Olha, você tem fama de ser criador de caso. Você vai me escutar ou não?". Com a delicadeza aparente, ficou pensando se não acordaria daquele pesadelo. Escutou o advogado e esperou até quando foi chamado para ir à presença do juiz.
Ainda algemado, entra na sala de audiência às 17h. O juiz João Guilherme Lages Mendes manda lhe tirar as algemas. Debruça-se sobre o processo, pega e consulta rapidamente um livro que estava ao seu lado direito. Larga o livro e pega outro à sua frente. Levanta-se olhando aos presentes na sala e dirige-se para uma sala ao lado, voltando com outro livro. Senta-se e faz nova consulta rápida. Debruçado sobre o processo, balança a cabeça em gestos negativos. Pára o movimento e leva a mão direita à sua testa, olha para o prisioneiro e afirma, entre indignado e surpreso: "Você não cometeu crime algum! Você não poderia ser encaminhado ao presídio sem ordem judicial! Você é jornalista, não poderia ser preso, transportado e encarcerado da forma que foi!".
Ao escutar as afirmações do juiz o jornalista começa a relaxar. Eram às primeiras palavras vindas de representante da lei ditas com honestidade, sem a arrogância dos tempos da ditadura. Assim, começa a relatar os fatos acontecidos. Assinando um Alvará de Soltura, o juiz é categórico nas suas recomendações ao jornalista: "Não se aproxime do jornal. Não se aproxime da delegacia. Deixe que um advogado providencie tudo que for necessário". Livre, o jornalista enfrenta os dissabores de quem foi acusado de "furto". Ou seja, é um "ladrão". "Se foi parar na penitenciária, boa coisa não fez".
Ao procurar um advogado para defendê-lo, na Defensoria, o defensor afirma que nenhuma ordem legal foi quebrada. Com recente casamento com a namorada grávida, Flávio prefere ficar no Estado entre voltar ao Rio de Janeiro, sua terra, onde amigos acenam com trabalho certo.
O primeiro advogado cobra para iniciar o processo. Sem dinheiro para pagar pela defesa, o jornalista procura outro. O novo advogado pede para o jornalista assinar uma procuração e, após oito meses nada tinha sido feito. Mas, artigos assinados do advogado começaram a aparecer no Jornal em questão. Outros dois procurados ficaram com o processo por seis meses e disseram que não poderiam pegar a causa, devido a nomeações de ambos para o governo do Estado. Um outro advogado alegou que não queria entrar em choque com a família do jornal, pois tinha planos para o futuro que não comportavam com essa causa. Em 2001 o jornalista encontrou, então, o escritório que se dispôs a patrocinar a causa.
Na opinião de Flávio, a decisão da juíza em indenizá-lo em R$ 30 mil esclarece uma parte da história, mas não resgata todo o mal causado.
Atenciosamente
Jornalista Vitor Ribeiro
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