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30/09/2004
Juíza manda Estado indenizar jornalista
 

Por Flávio Barros do www.correaneto.com.br

 

A juíza substituta da 3ª Vara Cível, Thina Luiza D"Almeida G. S. Sousa, condenou o Estado do Amapá, no dia 08/09/2004, a indenizar o jornalista Flávio Henrique de Barros por danos morais. A indenização hoje estaria próxima aos R$ 33 mil, segundo informou o escritório de advocacia Roberto Morais Advogados Associados, que defende o jornalista.

No dia 10 de agosto de 1997, às 2h da madrugada, no hotel em que residia, em Macapá/AP, Flávio foi preso e acusado de "furto de imagem", no Jornal do Dia, e de  "ameaça" pelo delegado Miguel Benedito Ferreira Dias; após queixa da diretora do jornal, Lúcia Thereza Gammachi, sendo depois preso em cela comum no presídio estadual.

Trabalho

Flávio tinha fotografado as máquinas da gráfica do Jornal do Dia, às 23h00, do dia anterior (09/08). Ele desenvolvia um projeto junto ao Coam (Conselho das Associações de Moradores de Bairros), com o objetivo de implantar uma gráfica comunitária no Estado através de doações de organizações não governamentais internacionais.

Indenização

A indenização foi fixada em 60 vezes o salário mínimo da época do pagamento, atualizada pelos índices oficiais (INPC - IBGE) desde do fato, mais juros legais de mora a partir da citação inicial (21/11/2001). A juíza absolveu Lúcia, obrigando Flávio a pagar R$ 500 por despesas desse processo. O jornalista pretende recorrer da sentença.

O juiz

No despacho do juiz João Guilherme Lages Mendes, que libertou o jornalista da penitenciária com Alvará de Soltura, intimando, com homenagens, a quem foi prejudicado em tese, a processar os possíveis culpados por atos abusivos ou criminosos pelo indiciamento e prisão. Determinando arquivamento do inquérito contra o Flávio.

O MPE

O Promotor do Ministério Público Estadual, Célio Pimenta Freitas Júnior, entendeu que:"1) Flávio não entrou furtivamente e não cabe ao MPE discutir obediências dos empregados aos patrões. 2) As fotografias foram tiradas com autorização, tanto que havia empregado fazendo pose. 3) As suspeitas da Lúcia Thereza, sem provas ou fundamento cabem no dito popular, grifando no seu despacho, em negrito e em caixa alta: PROCURAR CHIFRES NA CABEÇA DE CAVALO. Além disso, que a ameaça citada não foi provada".

Com muita ironia, o promotor questionou Miguel Dias: "Diante do exposto MM Juiz, com todo o respeito que merece o Sr. Delegado de Polícia, este Promotor de Justiça não conseguiu visualizar no Código Penal a tipificação por ele encontra. Mesmo porque, no relatório final ele não se seu ao trabalho de elaborar a conclusão. Ficando assim difícil saber como ele chegou à tentativa de furto".

Medos antigos

Desde criança Flávio aprendeu a compreender e a identificar o clima de arbitrariedade e pressão. O seu pai era militante da esquerda, jornalista, assessor do governador Roberto Silveira (RJ) - morto em acidente de helicóptero no RJ - e, mais tarde, professor universitário e revisor de taquigrafia na Câmara dos Deputados em Brasília. A sua mãe aos 14 anos já tinha sido detida na cadeia por militância em partido de esquerda. O seu tio, por parte de mãe, era jornalista, militante da esquerda, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado do Rio de Janeiro até 1964, quando foi preso.

Por sua experiência profissional de 23 anos: de repórter de polícia no Rio; chefe de reportagem no chamado Grande Rio - em São Gonçalo - do jornal Última Hora; repórter e chefe de sucursal do Jornal O Fluminense, em Brasília; repórter do Jornal do Dia, no Amapá, e militância sindical durante quase todo a sua vida profissional - entre outras funções - o jornalista vivenciou na sua prisão em Macapá antigos medos, traumas, violências vistas e vividas.

Um dia de Cão

A namorada do jornalista parou o carro em frente ao Jornal do Dia. Flávio desceu com a sua máquina fotográfica nas mãos, conversou com o vigia que abriu o portão, conversou com funcionários do jornal no pátio, explicou sua intenção, entrou na gráfica e tirou fotografias do maquinário e do empregado que fez pose ao lado equipamento gráfico.

Saiu e conversou novamente com os empregados que estavam no pátio. Entrou no carro e foi deixado no Hotel Emerik, onde morava. Às 2h00 da madrugada foi acordado por um empregado dizendo que a polícia o estava procurando. Desceu as escadas e viu alguém pulando as grades do portão de entrada do hotel. Na calçada: Lúcia Thereza, três funcionários do jornal e dois policiais. O terceiro policial já estava dentro do hotel. Entendeu de imediato do que se tratava. Procurando evitar a confusão e o barulho que já começara, propôs a Lúcia entregar a máquina fotográfica com o filme. Depois de revelado ela devolveria a máquina e o filme, se possível.

Flávio retornou ao quarto e ficou surpreso ao ver policiais entrando sem a sua permissão e mandando ele pegar a máquina sem mexer nela e acompanhá-los. Naquela situação, quando deu por si estava na calçada, cercado pelos policiais, que ameaçadoramente questionavam se não entraria no carro deles. O jornalista entrou avisando que estava sob coação policial.

Na delegacia foi tratado como marginal, mandado ficar quieto num canto. Sem familiares no Estado do Amapá, viu a poderosa empresária de comunicação entrar no gabinete do delegado e ficar conversando com ele. Chamado para o gabinete do delegado tentou explicar a ele e a empresária que o seu ato foi, somente, de fotografar sem outra intenção.

A cada explicação dada, a cada resposta que os dois faziam, recebia sorrisos de deboches. Quando a Lúcia falava, havia credibilidade e seriedade. Nessa situação, Flávio resolveu nada mais declarar. Enviado para a recepção da delegacia, junto com funcionários do Jornal do Dia, ficou ouvindo gritos e agressividades de uma agente de polícia. Estava sendo tratado como um marginal: "Fique em pé junto à parede. Encoste-se na parede. O que vocês está me olhando?". Provocava a policial, tentando se exibir para Lúcia, que chegava.

Numa tentativa de resolver o problema, Flávio chamou o delegado tentando falar com ele em particular, sem àquela pressão toda. Mas a agente policial, na frente de todos, proibiu ao delegado escutar o que o jornalista queria. Um policial assistia à cena calado, se aproximou do Flávio e escutou a sua história. Reprovou a atitude da policial, mas nada podia fazer: estava submetido à autoridade do delegado.
 
Num último gesto, o jornalista avisou ao delegado que ia sair dali. Já eram 5h da manhã e não havia motivos para a sua detenção naquela delegacia. Foi então que o delegado respondeu: "Você não está detido. Você está preso! Estou te encaminhando para a penitenciária do Estado". Lúcia estava saindo sorrindo da delegacia.
 
Até aquele momento Flávio, sozinho no Estado, com medo do desenrolar dos fatos, procurava administra as suas ações para não ser vítima de violência policial, que conhecia bem ao longo dos seus 23 anos de repórter. Olhou nos olhos do delegado e perguntou: "Estou preso por qual motivo?". O delegado respondeu: "Você entrou na gráfica sem autorização dos donos e tirou fotografia sem permissão. Por tanto, você furtou imagem!".

Impressionado com a lógica jurídica subserviente do delegado, Flávio avisou: "Se você fizer isso eu vou processá-lo". De pronto o delegado concluiu: "Furto de imagem e ameaça!", enquadrando-o de vez, ignorando os direitos legais do jornalista. Ás 7h o delegado ordena que o jornalista seja encaminhado ao Instituto Médico Legal. Algemado pelos pulsos a um marginal conhecido como "Cemitério", o jornalista vai para o Instituto.

De volta à delegacia, é encaminhado para o xadrez. Pondera com o policial que é jornalista e não poderia ser colocado em cela comum. Recebe logo a resposta em tom severo e ameaçador: "Entre logo!". Mais tarde Flavio recebe visitas de colegas do Jornal Do Dia: Janderson Cantanhedo entrevistando e Seles Nafes levando uma coxinha de galinha e suco para o prisioneiro.

Às 9h o jornalista é encaminhado para a penitenciária algemado ao "Cemitério", num carro da polícia. Chegando lá, o jornalista se identifica profissionalmente e pede para falar com o diretor do presídio, a quem conhece por matérias feitas lá. A resposta vem como se estivesse encomendada: "Se você é jornalista, cadê o seu diploma?", perguntou um agente penitenciário, completando: "Aqui já chegou gente dizendo que era economista e, quando a gente foi ver, não era verdade". Flávio protestou informando que não andava com diploma debaixo do braço e que o delegado havia ficado com a sua identidade profissional. Diante disso o agente respondeu que o jornalista não veria o diretor, ordenando ao um colega seu colocar o jornalista na cela de "adaptação", que fica na ala de segurança máxima.
 
Na cela de "adaptação" haviam uns 10 presos condenados. Logo um deles, que estava sentado se balançando numa rede e preparando um cigarro de maconha perguntou: "Você é jornalista, não é?". E afirmou: "Foi você que colocou a minha foto no jornal". Percebendo a situação de seja bem-vindo, Flávio perguntou ao preso: "Quando foi isso, meu irmão?". E o sujeito respondeu: "Foi há uns quatro anos". Flávio então disse: "Estou aqui no Amapá há um ano, não pode ter sido eu". Quando se surpreendeu com a resposta do preso, saída com uma voz mansa, ardilosa: "Não, foi você mesmo". Estava claro que entre eles o futuro do jornalista já estava tramado.
 
Na hora do almoço o jornalista não queria comer. Não tinha fome. Estava com muito medo. Às 13h um guarda chama o jornalista, avisando-o de que o diretor queria falar com ele. Na sala do diretor estavam a namorada e um outro jornalista. Haviam convencido o diretor Gonzaga que um jornalista estava na sua prisão. Até àquele momento o diretor de nada sabia. Depois de reconhecer e cumprimentar o jornalista, surpreso e assustado com o constrangimento, o diretor tenta se desculpar, alegando o seu desconhecimento. Toca o telefone e o diretor atende. Após breve conversa, Gonzaga desliga e informa que o juiz quer ver o prisioneiro no Fórum.
 
Algemado, o jornalista é levado à prisão do Fórum, local onde transita por força da sua profissão, ficando numa cela com outro prisioneiro, aparece um advogado dizendo estar ali para resolver o seu caso. O jornalista começa a falar e é interrompido pelo advogado com o seguinte recado: "Olha, você tem fama de ser criador de caso. Você vai me escutar ou não?". Com a delicadeza aparente, ficou pensando se não acordaria daquele pesadelo. Escutou o advogado e esperou até quando foi chamado para ir à presença do juiz.

Ainda algemado, entra na sala de audiência às 17h. O juiz João Guilherme Lages Mendes manda lhe tirar as algemas. Debruça-se sobre o processo, pega e consulta rapidamente um livro que estava ao seu lado direito. Larga o livro e pega outro à sua frente. Levanta-se olhando aos presentes na sala e dirige-se para uma sala ao lado, voltando com outro livro. Senta-se e faz nova consulta rápida. Debruçado sobre o processo, balança a cabeça em gestos negativos. Pára o movimento e leva a mão direita à sua testa, olha para o prisioneiro e afirma, entre indignado e surpreso: "Você não cometeu crime algum! Você não poderia ser encaminhado ao presídio sem ordem judicial! Você é jornalista, não poderia ser preso, transportado e encarcerado da forma que foi!".

Ao escutar as afirmações do juiz o jornalista começa a relaxar. Eram às primeiras palavras vindas de representante da lei ditas com honestidade, sem a arrogância dos tempos da ditadura. Assim, começa a relatar os fatos acontecidos. Assinando um Alvará de Soltura, o juiz é categórico nas suas recomendações ao jornalista: "Não se aproxime do jornal. Não se aproxime da delegacia. Deixe que um advogado providencie tudo que for necessário". Livre, o jornalista enfrenta os dissabores de quem foi acusado de "furto". Ou seja, é um "ladrão". "Se foi parar na penitenciária, boa coisa não fez".

Ao visitar o ex-deputado federal Aroldo Góes, na sua casa no município de Santana, Aroldo pergunta com cordialidade e medo de ofender: "Eu soube que você foi parar na penitenciária por furto, é verdade?". A história já tinha se espalhado. Havia sido publicada no Jornal do Dia. Gozação e desconfianças de "colegas de profissão", boatos e descrédito social. Mercado de trabalho fechado.

Ao procurar um advogado para defendê-lo, na Defensoria, o defensor afirma que nenhuma ordem legal foi quebrada. Com recente casamento com a namorada grávida, Flávio prefere ficar no Estado entre voltar ao Rio de Janeiro, sua terra, onde amigos acenam com trabalho certo.

O primeiro advogado cobra para iniciar o processo. Sem dinheiro para pagar pela defesa, o jornalista procura outro. O novo advogado pede para o jornalista assinar uma procuração e, após oito meses nada tinha sido feito. Mas, artigos assinados do advogado começaram a aparecer no Jornal em questão. Outros dois procurados ficaram com o processo por seis meses e disseram que não poderiam pegar a causa, devido a nomeações de ambos para o governo do Estado. Um outro advogado alegou que não queria entrar em choque com a família do jornal, pois tinha planos para o futuro que não comportavam com essa causa. Em 2001 o jornalista encontrou, então, o escritório que se dispôs a patrocinar a causa.

Na opinião de Flávio, a decisão da juíza em indenizá-lo em R$ 30 mil esclarece uma parte da história, mas não resgata todo o mal causado.
  
  
 

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