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05/07/2004
Correspondentes estrangeiros: um olhar muito estranho
 

Por Chico Sant"Anna**

O sociólogo francês Pierre Bourdieu afirma em um de seus livros que o jornalista possui um jeito especial para olhar os fatos do mundo. Ele usaria óculos diferentes dos demais seres humanos. A afirmação dele é perfeita e nos casos dos correspondentes estrangeiros que cobrem a América Latina parece que a lente utilizada tem o dom de focar só o que é negativo. Tradicionalmente, os países latino-americanos, suas realidades, culturas e feitos são muito mal noticiados, inclusive o Brasil. Fala-se pouco da América Latina e o que se fala é quase sempre pejorativo. Prevalece sempre o grotesco, o sensacionalismo, a caricatura, o pejorativo.

Uma análise, por mim realizada, das notícias sobre a América Latina, enviadas pelas agências transnacionais e divulgadas de 1990 a 1994 nos jornais Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil e Correio Braziliense, mostrou que, em média, mesmo reunidas, as 21 nações latino-americanas não chegam a gerar duas notícias por dia em cada um desses periódicos. A freqüência é de apenas 1,41 nota diária.

As notícias possuem um recorte temático muito peculiar, pelo qual grande parte da América Latina desaparece na geografia dos correspondentes. Ficou demonstrado que duas em cada três notícias se referiam a um seleto grupo de países: Brasil, Peru, Colômbia, Cuba, México, Chile e Argentina. Assim, para a maioria dos leitores dos jornais pesquisados, a América Latina praticamente se limita a esses países. Sobre os demais, quase nenhuma linha. O afunilamento editorial verificado não se limita à dimensão geográfica. Há também uma forte concentração em poucos temas. Todos com carga negativa muito forte.

Terrorismo, narcotráfico, crises sociais, econômicas e políticas, instabilidades nos governos e quartéis ocupavam, no noticiário examinado, sete em cada dez notícias. Para se ter um paralelo, a produção científica e tecnológica latino-americana não chegou a representar meio por cento das 7.891 reportagens analisadas.

O somatório dessas duas características editoriais leva a opinião pública a entender a América Latina como sinônimo de Brasil, Peru, Colômbia, Cuba, México, Chile e Argentina - com o tempero de crises políticas, corrupção, guerrilhas, contrabando e narcotráfico, dentre outros temas.

Poucos saberão apontar que avanço científico ou tecnológico e que iniciativa cultural importante se desenvolvem neste Nuevo Mundo. Recentemente, outros países começaram a ficar mais em evidência. A abordagem, porém, leva o mesmo referencial: efeitos "tango" e "tequila", as "loucuras" de Chávez, a "ditadura" de Fidel, a guerrilha colombiana e agora a "cachaça presidencial". O pior, é que a maioria dos nossos editores de internacional usa o mesmo tipo de óculos. Nem mesmo as novas tecnologias, que permitem em tempo real ver o que se passa numa televisão andina ou nas páginas de qualquer jornal caribenho, mudou esse comportamento secular da imprensa brasileira.

Estaria a imprensa brasileira vinculada a uma grande trama internacional? É possível que sim. Talvez mais por omissão do que por ação. A América Latina não é notícia que valha uma cobertura de melhor qualidade? É certo que a falta de correspondentes próprios reduz a capacidade de escolha de nossos editores de internacional. Mas é possível depender menos da visão distorcida do primeiro mundo sobre os países emergentes principalmente na imprensa escrita, onde a Internet permite conhecer o trabalho feito por jornalistas nativos em qualquer parte do mundo. A imprensa brasileira e, muito menos, os correspondentes estrangeiros não têm o sentimento de latinidade como parâmetro editorial. Pelo contrário, prevalece o estímulo a um sentimento xenófobo. E como as notícias das agências são enviadas a todos os países da AL, podemos ressaltar que a recíproca também é verdadeira.

Na Europa, o processo de unificação levou a criação de meios regionais potentes, como a EuroNews, o canal franco-alemão ARTE e o canal dos países de língua francesa TV 5. Diante de um mundo globalizado a União Européia se fortalece. Nós, abaixo da linha do Equador, continuamos a nos agredir, a ridicularizar e a caricaturar a vizinhança. Tudo isso com a prestimosa ajuda das agências internacionais.

O especialista cubano Ernesto Vera registrou que a sobrevivência dos latino-americanos, enquanto povo independente, está à mercê da mídia. "Sem uma consciência - diz ele - é impossível alcançar objetivos libertadores nacionais e sociais.(...) A América Latina e o Caribe estão obrigadas a despertar e atuar com passos firmes pela integração. Essa é precisamente a ação concertada dos jornalistas progressistas latino-americanos."

Precisamos seguir o exemplo europeu. A imprensa nacional, as autoridades, os fóruns Mercosul, Parlatino e congêneres devem priorizar o intercâmbio de informações. Resta saber se os interesses econômicos das empresas jornalísticas brasileiras estão afinados com este processo emancipatório. "Os grandes meios de comunicação - afirma Vera - carecem de pátria e têm por soberano o grande poder econômico e os lucros, sempre num casamento comercial, que atua com fator externo que transformaram a notícia e a ética profissional numa mercadoria".

Cabe a nossos empresários do jornalismo mostrar o contrário.

Ações de mudanças emergenciais da parte do estado

1. Alterar os modelos pedagógicos e conteúdos didáticos na educação escolar brasileira de forma a gerar um novo conceito cultural sobre a América Latina e a importância da integração regional;

2. Alterar o ensino de Jornalismo para capacitar os estudantes a pensarem sobre a América Latina;

3. Incluir nos acordos internacionais pró-integração latino-americana mecanismos práticos que incentivem o intercâmbio cultural e, em especial, o de informações jornalísticas, bem como a criação de publicações regionais, espaços editoriais específicos, canais e/ou programas televisivos com a temática latina;

4.Despertar junto ao empresariado nacional do setor da informação o potencial econômico e político que a América Latina que a integração propiciaria não só às nações e seus povos, mas também ao próprio empresariado. e que com a abertura ao capital internacional estarão batendo às portas de nossos veículos em breve.

* Publicado originalmente no NR - Boletim informativo do Sindicato dos Jornalistas do DF, edição  nº 65 julho de 2004 - Ano 7. Este artigo foi feito a partir de pesquisa de dissertação de mestrado denominada "O papel da imprensa escrita brasileira no processo de integração latino-americana - defendida em dezembro de 2001, na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.

** Chico Sant"Anna é mestre em Comunicação Social pela UnB e doutorando em Ciência da Informação e Comunicação na Universidade de Rennes 1 - França. Foi vice-presidente da Federação Latino-americana de jornalistas - Felap e da Federação Internacional dos Jornalistas - FIJ.

 


 

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