"Uma das doenças infantis que acometem alguns jornalistas, notadamente quando trabalham em veículos dotados de algum prestígio, é a falta de educação.
No exercício de minhas funções como diretor executivo da Transparência Brasil, tenho de atender a imprensa. Dou uma média de cinco entrevistas por semana a todo tipo de veículo, pequenos e grandes. Não faço jornalista passar pelo crivo de assessor de imprensa e nem anteponho obstáculos artificiais e demais mecanismos tão comuns entre fontes.
Outro dia me aconteceu um incidente para mim inédito. Liga-me um funcionário da revista Veja dizendo que o repórter Fulano gostaria de falar comigo. Fico esperando na linha, ouvindo do tal funcionário declarações do tipo "estou tentando o ramal dele, espere um minuto". Disse então ao funcionário que o repórter me ligasse, e que estivesse na linha quando o fizesse.
Liga-me outra vez o funcionário, que me passa para o repórter. Digo ao repórter que, dado que era ele quem desejava falar comigo e não eu com ele, era inadmissível que outra pessoa ligasse e me fizesse esperar na linha.
Indigna-se o repórter: "Não pedi sua opinião sobre esse assunto", ao que respondo "então passe bem", e desligo o telefone.
Não houve contacto ulterior da revista. Aparentemente, resolveu o repórter que a opinião, posição ou o que seja da Transparência Brasil sobre a pauta (que não sei qual teria sido) deixou de ser interessante.
Muito bem: que tipo de ambiente profissional confere a um repórter a prerrogativa de ser mal-educado e de se indignar quando isso lhe é apontado? Não acredito que, se quisesse falar com um empresário ou ministro, o repórter em questão teria se comportado da mesma forma. O repórter teria sido submetido a uma fila interminável de intermediários que lhe perguntariam desde a natureza da pauta até outras fontes consultadas e outras inquisições semelhantes.
Determinados jornalistas tendem a acreditar que são importantes porque falam com ministros e empresários. Como vivemos num país de patrões, jornalista desse tipo sente-se patrão, e age de acordo - adota a arrogância como abre-alas. Amanhã sai da revista ou do jornal e ninguém mais se lembrará dele.
Sugiro, então, que quem quer que seja que forme jornalistas inclua em seus currículos a matéria "Elementos básicos de urbanidade"."
Claudio Weber Abramo
Fonte: extraído da lista de discussão da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)