Google

 
 
  Extra! Extra!
  Pesquisa
  Espaço La Costa
  Entrevista
  Sindicatos
  Conselho
Federal
  Manual de
Direito
  Legislação
  Documentação de Jornalista
  Links
  Contato

 
 
12/05/2005
Procurador analisa condenação de Kajuru
 

Condenação de Kajuru por ato sem status poenalis

*Celso Antônio Três

A sanção por delito contra a honra de pessoa jurídica, concessionária de televisão, e pessoa física, seu proprietário, fundamentou-se em manifestação do radialista no exercício de sua profissão de crítico desportivo, reportando-se à contratação da transmissão do campeonato goiano de futebol em 2001, pactuada entre a OJC (Organizações Jaime Câmara) e a federação.

A Folha de S. Paulo (29/4/05) transcreve as expressões tidas por difamatórias pela Justiça de Goiás, verbis:

"Por que o governo deu de presente para ela (OJC)? Fizeram uma tabelinha, ele (o governo) e a Jaime Câmara (...). É a famosa história do oportunismo. Ela (OJC) usou de má-fé, usou a história do "se colar, colou". É sempre assim, de oportunismo"( ...)"

A sentença condenatória transitou em julgado no primeiro grau, inexistente interposição recursal, terrível lapso da defesa constituída.

Ora, mesmo que de absoluta inverdade a assertiva de Kajuru, salta aos olhos que em hipótese alguma a afirmativa alça relevância à sanção penal.

No máximo, reparação civil, indenização, direito de resposta (arts. 29 a 36 da Lei nº 5.250/67), etc.

"A pena é a ultima ratio na garantia do mínio ético" (Comentários ao Código Penal, Forense, Vol. I, Tomo I, 1958, p. 52).

"A teoria do delito é uma construção dogmática que nos proporciona o caminho lógico para averiguar se há delito em cada caso concreto" (Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Direito Penal Brasileiro, RT, 1997, p. 386).

Recitus, não apenas para "(...) averiguar se há delito em cada caso concreto", mas, principalmente, se pode haver delito no caso sub judice, se é dado ao legislador tipificar a conduta como criminosa, o Ministério Público imputá-la como tal e ao Judiciário assim sancioná-la.

Necessário sequer invocar a Carta Magna, repetitiva em albergar a liberdade da crítica (v.g., art. 220, parágrafo 1º, da Constituição) .

Mesmo a Lei de Imprensa, sabidamente parida na ditadura militar, ampara a manifestação.

Explicitamente, exime de sanção a crítica desportiva e a inspirada pelo interesse público (art. 27, I e VIII, da Lei nº 5.250/67)

No caso, precisamente implicados crônica esportiva e interesse público, ausente abordagem íntima, pessoal dos destinatários da crítica.

Sabidamente, mesmo operada por concessionários privados, a televisão é serviço público (arts 21, XII, "a", e 223 da Constituição).

Por sua vez, o futebol, como todos os esportes, também é de domínio público, integrando o patrimônio cultural, consoante o Estatuto do Desporto, Lei nº 9.615/98, art. 4º, verbis:

"§ 2o A organização desportiva do país, fundada na liberdade de associação, integra o patrimônio cultural brasileiro e é considerada de elevado interesse social, inclusive para os fins do disposto nos incisos I e III do artigo 5o da Lei Complementar no 75, de 20 de maio de 1993."

Mesmo posterior aos fatos, valendo, todavia, em favor do acusado, a universal retroatividade da lei mais benéfica, não apenas a de conteúdo diretamente criminal, bem assim a indireta, qual seja, a que de uma ou outra forma influencie na qualificação da imputação criminal, impera o Estatuto de Defesa do Torcedor, Lei nº 10.671/03, com tópico próprio sobre a lisura que deve pautar as competições desportivas, incluídas as relações das entidades organizadoras ("Transparência da Organização", arts. 5º a 8º), nisso inserida a contratação da transmissão televisiva, objeto da crítica.

Nos delitos contra a honra, apenas a calúnia, falsa imputação de um crime, tem tipicidade razoavelmente consistente.

Na difamação e injúria, presentes elementos normativos culturais, de difusa conceituação, ensejam o subjetivismo, abuso judiciário, que viola a reserva legal.

O que significa "(...) fato ofensivo à sua reputação" (art. 21 da Lei nº 5.250/67)?

O que significa "(...) ofendendo-lhe a dignidade ou decoro" (art. 22 Lei nº 5.250/67)?

O que é reserva legal?

Nullum crimen, nulla poena sine lege certa: "A exigência de lei certa diz com a clareza dos tipos, que não devem deixar margens a dúvidas nem abusar do emprego de normas muito gerais ou tipos incriminadores genéricos, vazios" (Assis Toledo, Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, 1991, pp. 21/29)

A extrema abertura dos tipos que criminalizam, repletos de elementos normativos (v.g., dignidade, decoro, etc), seguidamente incide neste vício. É a imposição da taxatividade da norma _ lex certa _ que remonta ao Iluminismo, século XIX, o qual reivindicava a clareza das leis, inteligibilidade por qualquer do povo.

"O Direito é a arte de traçar limites e um limite não existe senão quando é claro" (Scialoja, apud, Enrico Ferri, Princípios de Direito Criminal, Bookseller Editora, p.86).

Lapidar, uma vez mais, Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Volume II, Tomo II, p. 21, verbis:

"(...) Segundo Soler (La formulación actual del principio: "No hay delito sin ley previa"), a doutrina em torno da tipicidade assinala um progresso da fórmula nullun crimen sine proevia lege, acentuando que "la sola existência de ley previa no basta: esta ley debe reunir ciertos caracteres; debe ser concretamente definitoria de uma acción, debe trazer uma figura cerrada em si misma, em cuya virtud se conozca no solamente cual es la conducta compreendida sino también cuál es la no comprendida". O só requisito da lex previa poderia ser iludido pela formulação de um preceptum aberto, ou vago, deixando sem nítidos contornos o fato incriminado, de modo a ensejar francamente a analogia. Assim, o requisito da tipicidade não seria apenas um elemento indiciário do crime, senão também um obstáculo a que o legislador penal desrespeite, indireta ou obliquamente, o princípio de proibição da analogia."

Nesses tipos abertos por excelência (v.g., difamação, injúria, etc.), o Judiciário, no veredicto, deve fechá-los, jamais abri-los ao vilipêndio da reserva legal, ensejando como típica qualquer manifestação do pensamento.

Se é crime sujeito à prisão de 18 meses em regime aberto exprimir os termos usados por Kajuru, o que não é crime?!

Fosse delito, data máxima vênia incluído o próprio magistrado prolator da sentença, estaríamos todos presos!

Em algum momento de nossa existência, em particular ou em público, certamente procedemos críticas, fundadas ou não, bem mais acerbas que a enunciada por Kajuru.

O fundamento maior do Direito Criminal é sua reserva às condutas efetivamente lesivas, de repressão insuficiente pelos demais ramos do direito.

Nulla lex (poenalis) sine necessitate e nulla necessitas sine injuria, expressões brandidas por Luigi Ferrajoli, são as que melhor sintetizam o cânone.

a) Nulla lex (poenalis) sine necessitate: traduzido pelo princípio da necessidade da tutela penal.

"a lei só pode proibir os atos prejudiciais à sociedade (...)"(art. 5º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, França/1789).

"Pretender a segurança e ignorar o limite que ela mesma impõe à sua tutela é uma incoerência em que o meio destrói o fim." (Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Direito Penal Brasileiro, RT, 1997, p. 71).

Ultima ratio regum: o ius puniendi apenas in extremis do bem jurídico protegido. O Direito Penal é a última razão (ratio), recurso extremo, draconiano, do Estado, limitado a proteger os bens jurídicos cuja tutela pelos demais ramos (Direitos Civil, Comercial, Tributário, Administrativo, Trabalhista, Consumerista, etc.) sejam insuficientes.

Nelson Hungria, verbis:

"A pena é a ultima ratio na garantia do mínio ético"(Comentários ao Código Penal, Forense, Vol. I, Tomo I, 1958, p. 52)

"Apenas um mínimum de exigências da ordem moral (isto é, somente aquelas que condicionam necessariamente a paz e a disciplina sociais) é avalizado pela ordem jurídica. O direito em geral, pelo conteúdo de seus preceitos, é o mínimo ético, podendo dizer-se que o direito penal, em particular, é o mínimo do mínimo ético, isto, bem entendido, como nota Schmoller, do ponto de vista do seu conteúdo e extensão. pois, do ponto de vista de sua eficácia e resultado, representa o máximo ético."(Nelson Hungria, obra cit. Tomo II, p.154).

Assis Toledo, verbis:

"Note-se que a gradação qualitativa e quantitativa do injusto, referida inicialmente (supra, n. 123), permite que o fato penalmente insignificante seja excluído da tipicidade penal, mas possa receber tratamento adequado _ se necessário _ como ilícito civil, administrativo, etc., quando assim o exigirem preceitos legais ou regulamentares extrapenais. Aqui, mais uma vez, se ressalta a maior amplitude e a anterioridade da ilicitude em relação ao tipo legal de crime." (in Princípios Básicos de Direito Penal, 5ª edição, 1994, p. 133/134).

"Proibir uma multiplicidade de ações indiferentes não é evitar os delitos que não podem surgir, mas criar outros novos"(Beccaria, apud, Luigi Ferrajoli, Direito e Razão, Teoria do Garantismo Penal, RT, 2002, p.372)

b) Nulla necessitas sine injuria: princípio da lesividade ou da ofensividade do evento. Não basta à imputação a tipicidade, tampouco a necessidade, relevância da tutela a justificar a sanção penal, sendo fundamental demonstrar a efetiva agressão ao bem jurídico protegido. Summum ius, summa injuria.

Nelson Hungria leciona que "Bem jurídico é tudo aquilo que satisfaz a uma necessidade da existência humana (existência do homem individualmente considerado e existência do homem em estado de sociedade), e interesse é a avaliação ou representação subjetiva do bem como tal (...). Bem ou interesse jurídico é o que incide sob a proteção do direito in genere. Bem ou interesse jurídico penalmente protegido é o que dispõe da reforçada tutela penal "vida, integridade corporal, patrimônio, honra, liberdade, moralidade pública, (...)" (Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. I., Tomo II, p. 10).

Assis Toledo: "(...) bens jurídicos são valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas." (Francisco de Assis Toledo, Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, 1991, p. 16).

"A tipicidade penal requer que a conduta, além de enquadrar-se no tipo legal, (obra cit. P. 459), viole a norma e afete o bem jurídico" (Zaffaroni, Direito Penal Brasileiro, RT, 1997, p. 459)

Categórico, pois, que a manifestação de Kajuru não alçou status poenalis.


*Celso Antônio Três escreve às quintas-feiras no www.ultimainstancia.com.br e é responsável pelo site www.crimesdecolarinhobranco.adv.br. Celso é procurador da República em Tubarão (SC). Já atuou em Brasília e em Cascavel (PR). Especializado em crimes contra o sistema financeiro nacional, foi responsável pela descoberta do esquema de evasão de divisas por meio de contas CC5 na fronteira com o Paraguai.

13/08/2017 HOJE, O SITE OJORNALISTA COMPLETA 14 ANOS
26/12/2016 Programa na Rádio USP debate pejotização e estágio em Jornalismo
23/10/2016 Cineclube exibe filme sobre o bloqueio econômico a Cuba
23/07/2016 Chapa 1 vence eleições para a FENAJ
03/07/2016 Gazeta do Povo: STF suspende ações movidas por juízes
03/07/2016 Eleiçoes: Site Ojornalista apoia Chapa 1 - Sou FENAJ
12/06/2016 Paraná: chuva de processos contra jornalistas gera repúdio
06/06/2016 Tribunal dá reajuste de 9,8% para jornalistas de Pernambuco
12/05/2016 De bem intencionados, dizem que o inferno está cheio.
26/03/2016 Jornalistas lançam manifesto em defesa da democracia
www.ojornalista.com.br - Todos os direitos reservados 2003 - por NetMarketing Soluções