*Mauro Santayana
Não adianta fingir que tudo está bem, porque nada está bem. Do jeito em que as coisas se encontram, o governo terá que pensar menos em reeleição, menos nos próximos seis anos, e mais na próxima semana.
Não adianta fingir que tudo está bem, porque nada está bem. O governo Fernando Henrique deixou bombas espalhadas por todos os lados, repetindo Luís XV, que previa o dilúvio para quando se fosse. Fernando Henrique, não tendo ido, continua acendendo estopins aqui e ali. Ele devia pensar um pouco, e deixar de repetir Carlos Lacerda, que estava convencido de que um só homem seria capaz de governar o Brasil: ele mesmo. Depois de desestabilizar Jânio, ajudou a articular o golpe contra Jango, certo de que os militares iriam buscá-lo na Guanabara e entregar-lhe o governo. Ele e Adhemar de Barros, entre outros, pagaram caro por essa afoiteza. E há uma diferença entre o passado e o presente. Lacerda não foi presidente da República.
O descontentamento dos militares não está sendo levado a sério pelo governo. Dizia Tancredo, e com absoluta razão, que um país em desenvolvimento como o Brasil não pode dar-se o luxo de pagar mal a seus militares.
Lula começa a ficar isolado no Planalto, sob o receio de que venha a ser vaiado e vaiado pelos homens de farda. Pelas mulheres dos homens de farda já está sendo apupado. Há outra frase de Tancredo, que revela a necessidade de estoicismo dos políticos: as vaias fazem parte da dieta dos homens públicos.
O mais grave, neste governo, é que não estão sendo respeitadas as regras do jogo institucional. Os assessores se tornam mais importantes do que os ministros, e há ministros que servem para todas as tarefas. O ministro José Dirceu, tendo sido forçado a não se meter em assuntos econômicos, empurrado para longe por Palocci, passou a ser o terceiro chanceler da República. Afinal, quem fala em nome do Brasil? O chanceler Celso Amorim, o Sr. Marco Aurélio Garcia ou o ministro Dirceu? O Sr. Garcia pode ter sido um excelente representante do PT junto a outros partidos internacionais. Mas de que outros títulos dispõe o Sr. Garcia para negociar, em nome do Brasil, com governos estrangeiros? De que legitimidade institucional?
O Sr. José Dirceu é suficientemente curtido na vida para saber que os seus périplos diplomáticos servem mesmo é para afastá-lo do poder interno. Queiram ou não queiram, José Dirceu impõe-se no reduzido círculo do poder pela sua postura de mando. É a ele que se dirigem os que têm qualquer problema político a resolver no governo. Enquanto o Presidente Lula não se decidir a bater com o bastão de comando sobre a mesa, e separar devidamente as tarefas que delega, impondo-se como o árbitro final no poder Executivo, o governo continuará titubeante.
Se o presidente não está satisfeito com Celso Amorim, que o designe para outra missão diplomática, e nomeie o Sr. Garcia para o seu lugar, o que seria, convenhamos, uma atitude inadequada, para dizer pouco. Mas enquanto Celso Amorim estiver à frente da Chancelaria, é mais do que deselegância o que lhe fazem: é um grave erro político. Os governos estrangeiros entendem a postura discreta de Celso Amorim que, funcionário de carreira, não pode reagir contra essa invasão de sua competência institucional, e registram a sua perplexidade. Por outro lado, não sabemos se os enviados do Presidente, por mais hábeis sejam, são suficientemente preparados para dizer não, ao dizer talvez, conforme a bem humorada definição do diplomata.
Outra coisa Lula já deveria ter aprendido: a política econômica não pode continuar como está. Ninguém decretou, nos céus, que somos obrigados a fazer tudo o que interessa ao Departamento de Tesouro dos Estados Unidos e aos manipuladores de Wall Street. A ortodoxia nunca deu certo, nem mesmo na Igreja. O Brasil não pode continuar pagando os juros que paga a seus credores, internos e externos, enquanto os índices de bem-estar social continuam em declínio veloz.
Do jeito em que as coisas se encontram, o governo terá que pensar menos em reeleição, menos nos próximos seis anos, e mais na próxima semana.
*Mauro Santayana, jornalista, é colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense. Foi secretário de redação do Última Hora (1959), correspondente do Jornal do Brasil na Tchecoslováquia (1968 a 1970) e na Alemanha (1970 a 1973) e diretor da sucursal da Folha de S. Paulo em Minas Gerais (1978 a 1982). Publicou, entre outros, "Mar Negro" (2002).
Publicado originalmente no site Agência Carta Maior - www.agenciacartamaior.com.br