Quem viver, verá! Acreditar na reencarnação parece ser a solução, pelo menos para os que sonham, no Brasil, em ter acesso aos documentos públicos considerados ultra-secretos. A Câmara dos Deputados aprovou ontem (15/03), a Medida Provisória (MP) que regulamenta o acesso a documentos públicos sigilosos. Pelo texto, os documentos considerados ultra-secretos contarão, a partir da data de sua produção, com um período de sigilo de 30 anos - podendo ser prorrogado por igual período.
Mas, mesmo após decorridas seis décadas, uma Comissão poderá ainda dar um jeitinho de manter o documento sob sigilo por mais um tempinho. Ou seja, um documento ultra-secreto produzido hoje, poderá ser conhecido após 2065, e isto se não ocorrer nenhuma prorrogação. A MP segue agora para o Senado.
A Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas, formada pelos ministros da Casa Civil, da Justiça, da Defesa, das Relações Internacionais e pelo secretário dos Direitos Humanos, é quem decidirá sobre os casos em que o sigilo for considerado imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Essa comissão decidirá quais documentos terão o mais alto grau de sigilo. Qualquer interessado poderá pedir à comissão uma nova análise da decisão.
Apesar do deputado Sérgio Miranda (PCdoB-MG), relator da MP, garantir que “não será possível a prorrogação ad eternum” do sigilo dos documentos, dificilmente um cidadão terá acesso a documentos referentes a um período histórico que ele próprio vivenciou.
Foram derrubadas pelos parlamentares as emendas que incluíam membros do Congresso Nacional na composição da Comissão, bem como aquelas que exigiam a liberação dos documentos referentes à ditadura militar.
O relator propôs o livre acesso a documentos públicos que contenham informações relacionadas à intimidade, vida privada, honra e imagem de pessoas, desde que retirada a parte com essas referências. Essas informações só poderão ser acessadas pela pessoa diretamente interessada ou, em se tratando de morto ou ausente, por seu cônjuge, ascendentes ou descendentes. A restrição de acesso acaba depois de 100 anos da produção do documento, sem prorrogação.
Ministério Público e TCU
A MP determina ainda que os Poderes Legislativo e Judiciário, o Ministério Público da União (MPU) e o Tribunal de Contas da União (TCU) disciplinarão internamente a necessidade de proteção das próprias informações quando o sigilo for imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Eles também decidirão sobre a possibilidade do acesso quando essa necessidade acabar.
Outras propostas
Desde 1995, tramitam na Câmara quatro projetos que propõem mudanças na atual legislação relacionada aos documentos do regime militar. O projeto 1025/95, de autoria do ex-deputado Aldo Arantes (PCdoB-GO), propõe a abertura de todos os arquivos da época da ditadura e também determina que eles fiquem à disposição da sociedade no Arquivo Nacional e nas Universidades Federais.
O projeto 1150/95, de autoria do deputado Fernando Ferro (PT-PE), reduz de 30 para 15 anos o prazo para que documentos referentes à segurança da sociedade e do Estado sejam mantidos sob sigilo. O projeto está apensado ao do ex-deputado Aldo Arantes, e ainda reduz de 100 para 50 anos o acesso a documentos referentes à honra e à imagem de pessoas. Na avaliação do deputado, a matéria vai ajudar na identificação de vítimas do regime militar.
Outro projeto apensado ao de Aldo Arantes, de autoria da deputada Alice Portugal (PcdoB-BA), também propõe que os documentos dos arquivos federais do período de repressão política se tornem públicos, com acesso nas Universidades Federais e no Arquivo Nacional em todas as unidades federativas.
A deputada também é autora de um Projeto de Decreto Legislativo, apresentado em 2003, que extingue o decreto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com a regulamentação sobre os documentos sigilosos. Segundo Alice Portugal, "dezenas de famílias de perseguidos políticos só puderam tomar conhecimento do destino dos corpos de seus familiares mortos e desaparecidos depois de abertos os arquivos do DOPS, DOI-Codi e outros órgãos de repressão do regime militar".
Redação com Agências Brasil e Câmara